Talento de sobra: Guilherme Torres

Encerrando nossa pequena série sobre arquitetos que adoram dar uma “passadinha” pelo mundo do design de mobiliário – ou que simplesmente SÃO, também, designers – falo sobre a carreira do paranaense Guilherme Torres ( www.guilhermetorres.com.br ) . Jovem estrela das mais brilhantes no horizonte da arquitetura, dos interiores e também do design de móveis nacional, o que mais dizer sobre o trabalho de Guilherme? Graduado no Centro de Estudos Superiores de Londrina, abriu seu escritório em 2001 para “acontecer” em São Paulo, metrópole máxima de todas essas expressões juntas: de repente, todos queriam Guilherme, todos pediam por Guilherme e ele fazia e acontecia: casas maravilhosas, recheadas de interiores fantásticos, com seus inovadores e assimétricos móveis complementando suas ideias que vinham lá da fachada, moderna, contemporânea e corretíssima, própria dos anos 2000, inspirado nos mestres do modernismo.

Guilherme Torres

Mas não foi tudo assim fácil, é claro. Tendo composto esse texto às pressas, em feriado carnavalesco – me penitencio e me exponho, pois colunista tem suas correrias – não consegui detectar “as dores” do nascimento da carreira de Guilherme: mas certamente ele as teve. Tirou de letra, é verdade e hoje o que se vê é um belo retrospecto de cerca de 16 anos de trabalhos dos mais bem compostos, dentro do chamado “equilíbrio estético rigoroso da arquitetura” (modernista, complemento eu), com uma certa “leveza lúdica” de suas composições em interiores e design de mobiliário. Segundo descreve o próprio release de seu Studio em seu site, “as formas austeras e as superfícies sutis fornecem um cenário convidativo para receber o vívido mobiliário em seu interior, enquanto os espaços são cuidadosamente arranjados para se beneficiarem na luz natural. Tudo isso somado, compõem um portfólio excepcional, especialmente para alguém tão jovem.”

O que observei ao longo dos anos em diversas publicações que focaram trabalhos de Guilherme foi que seu processo veio todo junto: às lindas mansões modernas se somaram retrofits e reformas em apês antigos (principalmente paulistanos), altamente descontraídos, desconstruídos, pouco preocupados com o que era sofisticado ou “na moda”, mas muito ligados ao que era jovem e inovador, à vanguarda e ao que se classifica hoje como “descolado” e despreocupado. Foi assim que vi estruturas, encanamentos e instalações sendo reveladas e ressaltadas, pintadas em tons fortes, integradas a uma decoração que não queria ser chamada dessa forma. O que talvez hoje se chame de “estilo industrial”, para Guilherme e seus clientes era natural, mais barato e mais divertido. E daí vieram seus móveis, também naturalmente. O que me parece é que as peças surgiam para complementarem os projetos, como muitos profissionais de interiores, que trabalham em todos os estilos, sempre o fizeram. Há inclusive uma história citada em blog de uma empresa moveleira que conta que o primeiro sofá que Guilherme “desenhou” na verdade foi um reaproveitamento de um mais antigo, original dos anos 50 (leia a história neste link – www.dellanno.com.br/blog/guilherme-torres-novo-icone-do-design-brasileiro )

Guilherme TorresGuilherme Torres

 

Ou seja: como um prolongamento natural de seu fazer – arquitetônico e de interiores – o design de móveis surgiu, o que não quer dizer que Guilherme não curta parar para… desenhar especificamente um móvel. E aqui chegamos ao cerne da questão: afinal de contas, se Guilherme é um grande arquiteto e um excelente designer de interiores, por que não ser também designer de mobiliário? Tá na cara que é fácil ser um, e que um ser inquieto como ele que – conforme seu site também coloca, “é um perfeccionista, é o que diz em seu braço, em poucas palavras, work it harder, better, faster, make it over, citação da música da banda francesa ‘Daft Punk’ decora a sua pele e as paredes do seu studio (…)” – não deixaria para ninguém mais a tarefa de complementar os espaços que imaginou, desde o começo.

 

Mas é exatamente aqui que minha tese desmorona, ao ler uma entrevista dele concedida em 2013 para o caderno ‘Haus’ da Gazeta do Povo, de Curitiba (veja aqui http://www.gazetadopovo.com.br/haus/arquitetura/inspiracao-modernista ): nela Guilherme diz que: “Adoro desenhar móveis, pois é onde eu tenho mais liberdade de expressão é outra forma de comunicação”. Pausa para pensar… quer dizer então que, Guilherme Torres, super arquiteto, com belíssimos interiores assinados é, na verdade, um super amante do design de mobiliário? Imaginem!

É, é verdade. E no fim da quarta feira de cinzas vem a confirmação de Guilherme: cansado, retornando de viagem, gentilmente me confirma que é isso mesmo o que está na entrevista. E aqui se abre vastíssimo “campo de investigação” sobre o que posso batizar de “o caso Guilherme Torres”, aberto a quem desejar esclarecer melhor a questão com o profissional: seria Guilherme um designer que virou arquiteto e não um arquiteto que eventualmente faz design de peças? Obviamente que seu trabalho como arquiteto e como “interior designer” – premiadíssimo inclusive – não nos deixa a menor dúvida: ele é um ótimo e completíssimo profissional que, a exemplo de gênios como Frank Lloyd Wright e Antoni Gaudí, pode até projetar uma casa, um prédio, uma fábrica e deixar tudo lá, para que outros se encarreguem de ocupar seus interiores, mas não será sem “dor”. O mais natural para ele é pegar o projeto do início ao fim, de cabo a rabo, detalhando e imaginando cada pedacinho, do piso ao teto, passando pelos encanamentos e instalações talvez, e desenhando sofás, cadeiras, pisos, cortinas, mesas, armários e um longo etc., de forma completa e perfeccionista mesmo. Mas – e aqui cabem para mais de 2.385 perguntas em minha mente só nesse pequeno momento – seria seu destino ser um designer de mobiliário como Starck? Como os Irmãos Campana? Tenho certeza de que ele seria um sucesso também, mas os ventos correram um pouquinho para o lado e Guilherme Torres mostrou seu talento primeiro na arquitetura. O que não deixou de ser bom para todos inclusive para ele mesmo. Ficam lançadas as sementes de uma boa história, e a certeza de que temos, entre nós, neste Brasil de tantos grandes talentos, mais um, que se revela em múltiplas facetas.

 

Maria Alice Miller é designer de interiores formada pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro e editora do blog Casa com Design que completa 12 anos de vida em 2016. Trabalha com fornecimento de conteúdo para sites e blogs e gerenciamento de perfis nas principais mídias sociais de empresas das áreas de interiores, decoração, design e arquitetura. Adora escrever sobre estes assuntos e por isso colabora com nossa revista a partir de agora.

Para completar um perfil eclético, é administradora do museu Casa de Benjamin Constant em sua cidade.

Contato: malice@casacomdesign.com.br

Facebook: http://facebook.com/malicemiller



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