Design de fino trato
A marcenaria de alta costura de Cláudia Moreira Salles
Por Maria Alice Miller, designer de interiores e editora do blog Casa com Design
Nascida no Rio de Janeiro em seio de família abastada e muito bem aquinhoada pela vida, Cláudia Moreira Salles formou-se desenho industrial em 1978, e logo se mudou para São Paulo. Apesar de ter trabalhado em equipes de fábricas de grande porte, que produziam mobiliário para escritórios como a “Escriba”, logo no início da profissão, Claudia recebia encomendas por parte de parentes e amigos que pediam por “móveis artesanais”. A partir daí, acompanhou a execução desse tipo de peça e foi então que aprendeu técnicas de marcenaria e apaixonou-se pela madeira de forma definitiva. Tão definitiva e tão intensa esta paixão com todo o conhecimento por ela adquirido que seus móveis hoje são classificados como “marcenaria de alta costura”, e não um “pret’a porter” básico que se encontra em qualquer loja de móveis. Claudia tem estrela e tem estilo – e um talento sem par.
Cadeira “Triz”, 2003 – simplicidade formal com uma pequena inclinação nas costas que garante conforto. A versão em palhinha é mais popular, a versão estofada é preferida para jantares sofisticados, bem como a versão em couro.
Carrinho de Chá “Nômade”, 1993 – uma das “joias da coroa” da carreira de Claudia, foi bolado logo que ela começou a atuar na área: todo executado em madeira, com encaixes e pinos, o carrinho é uma verdadeira obra de arte da marcenaria, executado à perfeição e pode ser dobrado.
Todas as suas peças têm aquele quê de bom gosto próprios da profissional. Mas não é só isso: Claudia baseia suas criações no que aprendeu na academia, mas também nas ditas “técnicas centenárias de marcenaria e carpintaria”, o que foi apreendido no fazer e não nos bancos de faculdade. É, portanto, uma profissional completa, que desenha, esquematiza, e sabe o que quer de quem executa seus móveis. Nada de pregos ou parafusos: foi pioneira no Brasil no retorno ao uso de encaixes e técnicas que dispensavam muitas ferragens nas peças. Sua identificação com fabricantes e revendas de móveis de alto luxo foi, portanto, quase que imediata: Claudia tem o próprio estúdio, onde desenha para lojas como Etel Interiores e Casa 21, onde só móveis bem bolados, bem concebidos e bem feitos são comercializados. Sua produção já chega ao exterior, em países como Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Portugal e Suíça.
Poltrona “Cosme Velho”, 2003 – uma das mais valorizadas da profissional, têm no revestimento em palhinha seu ponto alto: é de uma pureza e elegância únicas, estando presentes em muitos dos interiores mais descontraídos e “conhecidos” da alta sociedade carioca.
São peças que genuinamente se produzem à mão, que se sente o toque da madeira aveludada, bem cortada e bem lixada, suave e simplesmente. Suas peças de linhas simples e equilibradas já ganharam quatro exposições individuais, como por exemplo a de 1998, na Casa França Brasil, no Rio, e a de 2005, no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo. Um reconhecimento que muito poucos têm, ainda mais em se tratando de uma mulher em um “campo de trabalho” um tanto dominado por homens, e ainda por cima em se tratando de uma brasileira, já que o design em nosso país tem “crescido e aparecido”, mas ainda tem um longo caminho a percorrer.
Mesa de Centro “Nômade”, 1993 – inspirada em uma peça de Gae Aulenti, Claudia brinca com os grandes rodízios em madeira pura e utiliza apenas madeira, também no tampo para sinalizar sua preferência pelo material.
Aparador “Urucum”, 2000 – totalmente executado em técnicas de marcenaria tradicional para valorizar veios e topos da madeira, a parte interna da peça é tingida com pigmento bem avermelhado do urucum, semente utilizada pelos índios brasileiros em suas pinturas corporais.
Dispensando artifícios distantes do uso básico da madeira, e também utilizando outros materiais tais como pedras, concreto moldado e, recentemente, o metal nióbio em luminárias leves e bem resolvidas, Claudia está num patamar acima da carreira de designer, mas não se pode dizer que esteja plenamente realizada, nem que já tenha realizado a maior parte do que tem a mostrar. Ao contrário, talvez agora esteja chegando perto da maturidade na criação, e agora sim, vá gestar suas melhores peças, seus verdadeiros ícones que somente saberemos no futuro. Por enquanto, dá para admirar ótimas peças, e sempre, aguardar por ainda melhores.
Acima:
Poltrona “Siri”, 2008 – outro dos grandes acertos de Claudia, “Siri” tem em sua simplicidade de conjugar um encosto de reaproveitamento de sarrafos recurvos com o grande travesseiro do assento – cujo conjunto se assemelha de verdade ao bichinho – a ‘sacada’ do apelo do que é sustentável ao que é bem brasileiro, sem esquecer um toque lúdico com o charme próprio do trabalho da profissional.
“Castanheiras”, 2006 – esculpidas a partir de sobras de madeiras nobres, guardam semelhança com a azulejaria da arquitetura modernista. Podem ser utilizadas para colocar castanhas e outros aperitivos ou como elemento decorativo, principalmente se utilizadas em conjuntos.
Mesa de Centro “Cubo Libre”, 2005 – inspirada na arquitetura de Ricardo Legorreta, a mesa foi pensada como uma caixa de cinco faces em treliça. Leveza e apuro formal únicos, próprios de Claudia.
Luminárias de piso da linha “Sintonia Fina”, 2015 – série limitada de peças feitas com madeira de demolição, cobre e nióbio, metal nobre e raro, com baixíssima incidência em todo mundo, sendo que no Brasil tem poucas jazidas no norte do país, em terras indígenas ainda pouco exploradas. A vantagem do material é que no processo de eletrólise a que é submetido pode adotar diversas tonalidades. A adotada na imagem foi o de um violeta sutil. Claudia aliou peças de madeira que ganharam uma segunda vida, peças de cobre para dar sustentação e rebatedores, projetores e cúpulas em nióbio para distribuir a luz com forma e coloração.