Ou o que as pesquisas nos dizem sobre o que realmente queremos para nossas casas
Adepta a juntar informações de vários setores para chegar – se assim conseguir – a denominadores comuns entre eles, afasto-me das tendências (tendenciosas) prontas, que engolimos, na maioria das vezes, para ver melhor, mais do alto. E sem culpas.
Tendências começam antes, já deveríamos saber. Tender à fala de futuro, sempre. Caminhos que vêm pela frente. E, para isso, precisa-se estudar o que já se teve e tem nas mãos.
Uma pesquisa da IKEA, marca global de móveis e decoração, ainda em 2023 mostrou que 40% das pessoas em todo o mundo concordam que espaços separados para necessidades e interesses são importantes para refletir a sua identidade. Que a casa ideal precisa otimizar o seu espaço, criando integração, ao mesmo tempo em que garante divisões de espaços com finalidades distintas. Falei em multiuso, várias funções e espaços integrados, quando assim se desejar. Fatos que se intensificaram, suponho, pela pandemia e até por imóveis lançados cada vez menores (e só isso já dava uma bela conversa!).
E aqui vale uma pausa “poética”: quando a cozinha se abriu para o restante da casa, quebrando tabus, lembrei que teve data e o porquê se começar – a queda das Torres Gêmeas. Fato que tirou a liberdade de americanos e ir e vir, criou receio de estar fora de casa (estar na hora errada, no lugar errado).
E como todo bom momento envolve comida…
Num primeiro momento, veio o bum dos deliveries (e o bum de embalagens, de entregadores, depois aplicativos, etc.). O que trouxe valor às nossas cozinhas como verdadeiras salas de estar. Afinal, ninguém gosta de cozinhar enclausurado, certo? E, como num boa “cauda longa”[1], usando um jargão de marketing, o interesse pelo espaço em sí, com seu mobiliário mais bem planejado, seus eletrodomésticos, depois pelas receitas, pelos cursos de gastronomia, por ai vai…
Seguindo, temos o estudo da WGSN – The Future of Home Interiors 2030 [2](O Futuro da Casa 2030) – , que previa que o aumento dos custos de habitação traz a tendência de pessoas viverem em conjunto – famílias, casais e amigos permanecerem juntos no mesmo teto por mais tempo. Por isso, criar espaços que possam acomodar as diversas atividades de diferentes faixas etárias será fundamental.
No Brasil, uma pesquisa feita pelo Quinto Andar (maior imobiliária digital do Brasil) e pelo Datafolha mostrou que conquistar a casa própria é o maior sonho de 87% da população. Além disso, 95% dos brasileiros consideram a casa o seu lugar preferido. Ainda de acordo com a pesquisa, as atividades preferidas dos brasileiros dentro de casa são: fazer oração, cuidar da casa, cozinhar, ouvir música, assistir filmes e séries.
Ou seja: esperam que suas casas atendam isso, essa versatilidade, ao mesmo tempo, privativa, individual, muita das vezes. Proporcionar conforto para as atividades mais presentes na rotina é o desejo da maioria.
Já o estudo Casa do Futuro, feita pela Hibou, especialista em pesquisas, aponta os desejos dos brasileiros para suas casas nos próximos anos. Segurança é o desejo número um da lista, seguido pela vontade de ter uma casa mais conectada, tecnológica e com mais espaço para crianças, amigos e pets.
Ou seja: a Casa do Futuro – ou seria casa ideal? – reúne a comodidade de uma casa aconchegante e sustentável com as tendências tecnológicas que, em breve, farão parte de mais lares, como o painel solar e a automação.
Pulo para pontos levantados pela gigante WGSN que detectou algumas tendências mais profundas e já focadas nos próximos anos – 2026. Como o fim da romantização do consumo – ou o fim do consumo para apaziguar dores emocionais, a chamada “cultura do mimo” – como forma de escape à rotina e fonte de conforto. No lugar, um dos sentimentos dos consumidores apontado pela WGSN será o Anseio, uma vez que muitas pessoas tiveram que abandonar sonhos ou lidar com perdas (de empregos, terra, casas, clima, pessoas queridas, entre outros) nos últimos anos (efeito mundial, infelizmente, conflitos e guerras, economia, religião, entre outros.
No Brasil parece ser por conta da economia, de busca não mais por uma vida melhor, mas por certa sobrevivência. Já no mundo, a chamada população apátrida global, ou que saem de seus territórios por muitos motivos – inclusive a sobrevida – foi estimada em mais de 4,4 milhões em 2023 pela ACNUR[3].
Ainda conforme a WGSN, essa inquietação impulsionará as pessoas a buscarem novas formas de conforto. Como, por exemplo, a celebração de pequenas conquistas, hábitos mais saudáveis – e bem longe das propagandas virtualmente viralizadas enganosas. Fato é que já temos movimentos como o des-influencing, ou seja, contra influenciadores que começou no TikTok, entre outros. E o próprio TikTok, por motivos de segurança, sendo banido de muitos países.
Na mesma direção, a WGSN fala do “poder dos ‘minorstones’”, descrito como o “celebrar ‘pequenas conquistas’” ou pequenas vitórias como o centro das atenções em 2026. Fugindo dos marcos ou normas tradicionais como casamento (enquanto instituição milenar), ter casa própria – e eu acrescentaria ter filhos que não sejam pets – entre outros, os novos sonhos se concentrando mais em conquistas pessoais mais atingíveis (leia-se longe da perfeição/tradição).
A WGSN identificou os Gleamers (mais brilhantes, na tradução literal, quase uma purpurina para nós) como um importante segmento de consumidores para 2026. Este grupo redefinirá o conceito de marcos individuais e personalizados – ou até customizados -, ao se concentrar em pequenas realizações pessoais e alegrias cotidianas.
Os motivos serão muitos – e todos, ao mesmo tempo – como festas de divórcio, pagamento de empréstimos estudantis até deixar um emprego (ou um relacionamento) tóxico. Ou seja: desligar-se “formalmente” das referências tradicionais. Ou de dar valor ao que realmente importa para eles – aniversário de um animal de estimação, por exemplo. Ou criar sua própria música no aplicativo que não cobra…
E como isso se aplica às tendências em interiores para os próximos anos?
A WGSN fala de quiet luxury, low-key luxury – luxo discreto, no bom português. Trocando em miúdos, fala em “começar a abraçar mais materiais naturais e peças artesanais”, quem sabe do artesão que se conheça ou reconheça. Isso inclui, além da “velha e boa biofilia” (velha, sim, já que a palavra foi usada pela primeira vez pelo psicólogo Erich Fromm em 1964 e popularizada nos anos de 1980 pelo biólogo Edward O. Wilson), um luxo mais apropriado ao nosso viver o dia a dia.
A 37º edição da CASACOR São Paulo, vitrine das últimas tendências do setor de arquitetura, arte e interiores trouxe o tema “De presente, o agora”. E um manifesto em forma de questão: “que tipo de ancestrais queremos ser”, convidando “a refletir sobre o futuro de modo a retomar sabedorias ancestrais, com foco em desacelerar o tempo e questionar nosso legado”. Fala de necessidade de desaceleração, tornando a casa como centro das nossas reflexões e um verdadeiro santuário. E pautada em outros subtemas: biofilia, como uma profunda ligação com o mundo natural; integração perfeita de tecnologia; e espaços que atendem ao nosso estilo de vida em constante evolução.
Agora eu jogo a “dúvida” para você, leitor: o que é o verdadeiro luxo para você? Terei o maior prazer em receber pelo meu e-mail joycediehl@hotmail.com.br (sim, tem br.)
Pauta nada fácil. Mas disso trataremos na próxima matéria. Quem sabe vocês me ajudam? Até lá!
Joyce Diehl, neuroarquiteta com formação em Branding, apaixonada pelo comportamento humano, mesmo que não o entenda por completo…
Fontes inspiradoras:
https://blog.archtrends.com/a-casa-em-2025/
[1] Cauda longa se refere a uma estratégia que busca atingir várias coisas com baixa procura, em vez de focar em poucas coisas e com muitos pedidos. O conceito ganhou destaque após a publicação de um artigo do autor Chris Anderson sobre o tema. E viralizou depois do livro escrito pelo mesmo autor, intitulado de A cauda longa — do mercado de massa para o mercado de nicho.
[2] https://www.wgsn.com/en/blogs/future-home-2030
[3] https://www.acnur.org/