Novo normal ou novo carpe diem? O que dizem as tendências do setor de arquitetura e interiores

O novo carpe diem

Joyce Diehl(*)

O tempo anda passando devagar – pelo menos em caso de tendências para decor. Para mim, isso vem do fato que, sim, aprendemos a dar o devido valor aos nossos lares como oásis – tecla que bato desde a queda das Torres Gêmeas – fato provado durante a pandemia. E agora por conta desse conflito armado, trazendo outro tipo de insegurança.  A casa cada vez mais como porto seguro, para onde queremos voltar e poder viver como sonhamos.

Misture-se a isso essa pegada sustentável que temos aprendido a duras penas. As novas gerações parecem que já vem de fábrica com essa preocupação que nós, de outras gerações, aprendemos bem devagar. O planeta tem pressa. Mas não só ele: as relações com as outras pessoas também. Cada vez mais devemos – sim, é um dever – pensar em TODOS os habitantes deste mundão como iguais. Vem dai muita manifestação por igualdade de gênero, de religião, de raça, e de tantas lutas ainda por vir. A essas manifestações – ou mudanças do mundo – chamamos de tendências.

Mas, como se “prevê” as tais tendências? Da palavra tender a, tendência traz um futuro que não estamos vendo, mas que já começou. E em vários setores do mundo e ao mesmo tempo e por um bom tempo (se não, é puro modismo!). E tem o poder, positivo ou negativo, de mudar nosso pensamento sobre as coisas e, com eles, o mundo. Ou pelo menos de pensar.

Aquelas tendências que realmente modificam nosso jeito de viver, de pensar, podemos chamar de MEGATENDÊNCIAS – nome que parece chique, mas que engloba muitas delas, nem sempre boas, como a leva de refugiados que só faz aumentar. O recente conflito nos trouxe para a realidade: qualquer um, de um dia para outro, pode ter que largar tudo e se transformar em refugiado.  Hoje, pela dádiva da Internet, esses conflitos são transmitidos “ao vivo e a cores”. Resultado de outra megatendência – a tecnologia de informação. Já em nossas casas, é a Internet das coisas que tem modificado nosso jeito de viver. Fique um tempo sem luz e, por conta disso, sem internet – e provavelmente vai notar que pouca coisa se pode fazer. Nossa dependência é enorme!

 

Mas no que isso influencia nosso jeito de ver nossas casas?

Existem duas formas de nos confrontarmos com as tendências: seguir a maré ou nadar contra. E isso acontece em vários setores. Na moda, nada como roupas confortáveis contra roupas super justas ou o “padrão executivo”. Na alimentação, contra cada vez mais produtos ultra processados, fuga para os orgânicos, as hortas caseiras. No mercado, contra as multinacionais pulverizadas pelo mundo, o apoio a pequenas empresas, inclusive locais, o consumo no bairro e tudo o mais, sonho de todo urbanista.

 

E na decor?

Em nossas casas, contra todo o minimalismo das linhas retas, puras, dos cinzas e metálicos, as chamadas casas de revista – que muita gente ainda insiste – uma enxurrada de formas e materiais naturais, orgânicos (note que a natureza não produz nada reto). Sim, a casa com mais cara de casa, a escolha por materiais mais naturais, a madeira como ela é ou a materiais mega inspirados nela) – mesma pegada das rochas naturais onde o apego é pelo toque – , as tramas de  fibras naturais (melhor ainda em produtos feitos a mão ou por eles mesmos, entregue em casa) e por ai vai.  Quanto hobby virou negócio!

 

E por quê?

Com o movimento obrigatório do #fiqueemcasa, nossa observação sobre nossos espaços ficou mais aguçada. Mais sensitiva. Sentimos na pele. A casa ganhou mais sentido, ficou com mais ares de lar, mostrando a personalidade de quem mora nela. As atividades – e os conflitos derivados deles – se ampliaram, pedindo mais planejamento. Como contraponto, o sentir-se me casa fez mais sentido. A ”doçura” tomou conta e foi em busca de muito conforto – assim como com as roupas. Por isso, as texturas felpudas em alta, os tecidos naturais em voga. E reforçou a  tendência ao design expressivo e exclusivo desejado pelos consumidores Millennials (ou Geração Y, nascidos na era da internet, década de 80  a 90) e da Geração Z (década de 90 até 2010, completamente digital). Quase uma visão retrô – presente  em nossa memória afetiva.  Nosso porto seguro.

 

 

Essas mesmas gerações têm uma consciência de sustentabilidade  – ambiental e social –  acima da média. Enquanto os pais até se preocupam com os males ambientais, os jovens estão transformando o medo em ação, se engajando, plantando árvores ou recolhendo o lixo das praias (nem sempre dos próprios quartos, questão de coletividade).  O que pede uma transformação do que é usado. Trazem à tona materiais naturais – ou inspirados neles, sim, mas baseado em outra tendência, a da veracidade. Da transparência. E também a preocupação por trazer a natureza para dentro.  Depois dos jardins verticais e das plantas pela casa toda, é chegada a vez das árvores em ambientes internos como um plus ao uso das plantas em geral, das hortas solitárias ou comunitárias, o consumo de orgânicos e muito mais. Vale até desenhar plantas nas paredes!

 

Entram nessa vibe (para usar um conceito jovem), o crescente – e isso faz um bom tempo –  interesse pelos pets como parte da família, cada vez mais domésticos e cada vez mais por adoção que por aquisição. E em muitos casos substituindo filhos para uma geração que cada vez vive atrás de experiências, nova moeda. Fechando essa procura, a aposta pelos famosos “poucos e bons” objetos, quem sabe feito por conhecidos, ou de alguém que tem ou se quer dar voz, também com base na sustentabilidade e consumo consciente, elevando a biofilia (traduzido como “amor às coisas vivas”) e o design biofílico a um nível bem elevado. Se você não sabe sobre biofilia, informe-se: tem sido a base da arquitetura e do design. Caminho sem volta. Aposto e aplaudo.

 

A pandemia – e provavelmente a possibilidade de conflitos iminentes – trouxe um novo consumidor. E a arquitetura e design de interiores não podiam ficar de fora.  Um consumidor que vê a casa como refúgio e, se puder escolher, centro de todas as atividades: morar, trabalhar, receber, se exercitar, se divertir, fazer exercícios, comprar (ah, as compras na palma da mão…) e muito mais. O Home Hub, tipo de empreendimento completo presente em muitas cidades e bem próximo dos locais de trabalho, tem o espaço privado menor e um amplo espaço coletivo e bem pensado. Mas não foi muito responsivo nos dias de confinamento. Quem os salvou foi a internet, nova forma de conexão com o mundo. Nesse quesito, a Internet e a Internet das Coisas (IoT, a ‘Internet of Things’, divulgada pela Ericsson em 2019) ganhou muitos pontos entre todos. As relações com vizinhos também. Isso reitera minha fala de tendências cada vez mais rápidas, quase sem tempo de passar pelo senso crítico. É quase uma forma de adaptação, sobrevivência.

 

Vem dai a preocupação com a casa usável, funcional, prática de se manter e pronta para todas as atividades de todos os seus ocupantes. Coisas que temos que fazer, cada vez mais por nossa conta e risco. Melhor se for de forma prática e divertida. Que venham os robôs!

Nem tudo são flores

 

Mas nem tudo são flores. Ou mêmes.  A internet nos conectou, mas trouxe dilemas. O foco nas telas tirou a saudável interação com pessoas e natureza. Os chamados índices de contágio emocional digital estão ai para provar. É quando o traço comportamental dos outros viraliza  e começa a ser imitado –inclusive sentimentos – mesmo que não verdadeiros. Quem já não se viu entrando numa brincadeira com vídeos, dancinhas e áudios em redes sociais só por entrar, quase uma obrigatoriedade? Parece só diversão, mas tem ligação com o lado “não muito colorido” das coisas.  A positividade tóxica, a obrigatoriedade de estar feliz full time, rejeitando tudo o que desperta negatividade, está ai para alertar. A dificuldade de separar o que é real do que é falso – ou fuga –  também. Em resposta, a ansiedade em alta e a baixa autoestima por comparação, outros medos tomam conta, como as incertezas  – ambientais, financeiras, políticas.

Outro é, pasme, a falta de rotina organizando nossas vidas, que pode parecer um alívio por pouco tempo, mas pode virar um caos quando não se esta de folga ou de férias. Pais que viraram professores durante  o isolamento sabem do que estou falando. Até a alta comodidade de “tudo na mão e rápido” – inclusive compras e comidas na palma da mão – afetando ainda mais nosso nível de soluções rápidas, ansiedade e de descarte. Arrisco dizer: de egocentrismo também.

Aqui verdadeiramente se entende o quanto nossa casa como lar pode nos salvar…Basta lembrar da sensação boa que sempre é voltar para casa – seja depois de um dia ruim, um perrengue qualquer, uma longa viagem. Saudade, nem que seja do travesseiro. E, em contraponto a tudo isso, alivia pensar na fala dos mais jovens – que concordo e vivo, intensamente: o que se leva da vida são as experiências vividas…Esse, sim, não o novo normal, mas, para mim, o novo carpe diem! Que se cumpra!

(*) Joyce Diehl, editora chefe da Revestir.com. Arquiteta, com formação em branding, e que ama estudar e entender o comportamento das pessoas em relação a coisas

@joyce.diehl

Imagens Viva Decor, Casa e Jardim, Archtectural Digest, Jeito de Casa e outros sites e blogues inspiradores

 

 

 



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