Ano terminando. O que vem direcionar a arquitetura e a decor?
Segundo semestre de cada ano traz uma ansiedade da qual não compartilho: o que vem por ai no próximo ano. A famosa prewiew, as tendências da vez, que norteiam os rumos da arquitetura de interiores, do design e da decor.
E explico: sou avessa a modismo de toda ordem. Se cada ser humano tem sua digital, porque não sua cara ter a sua cara?
Descobrir quem somos é um bom começo. Você pode gostar de uma certa “tendência” ( tender a , um processo bem anterior de uma ideia “viralizar”, resultado de muita pesquisa em muitos campos por vários especialistas – ou coolhunters, caçadores de tendências) e achar que deve “seguir’, verbo que define uma ação em alta, talvez a nova moeda. Mas o que está ” em alta” – e desde 2014/2015 – no chamado “mercado de luxo” é exatamente o ser diferente, o ser exclusivo, a experiência e personalização de compra – que não necessariamente esteja relacionado à bens materiais ou algo exclusivo que custe preços altos, mas que proporcione ao consumidor uma lembrança e uma ótima experiência. A tal “memória afetiva” de quem sempre falo. Algo que nos liga com quem realmente somos, tiradas as máscaras “necessárias”.
Mas essa tendência nem sempre combina com seu jeito de viver e de ser. Por isso, aposto todas as fichas na personalização dos espaços. Nos produtos com mil possibilidades de escolha e de uso ( lançamentos de 2018/2019 já mostravam isso, em louças, metais, revestimentos e muito mais, seja em acabamento ou forma de uso). Aposto na sua escolha, na minha escolha. E sempre condizente com nosso jeito de viver, de morar, de usar os espaços. Condizente com nosso gosto ( não, não se discute, já diria o antigo ditado) e com o nosso bolso. Espaços com a nossa cara não precisam custar os olhos dela.
Falam em materiais naturais – ou inspirados cada vez mais próximos deles. Nenhuma novidade nisso: já se vão vários anos de procura pela naturalidade, mesmo para materiais sintéticos. A isso dou o nome de sustentabilidade: amadeirados cada vez mais ” enganadores” de sensações nos revestimentos; porcelanatos que você jura que são da mais pura pedra quando colocados; “couro” feito até de casca de maçã. Casas feitas de adobe e até de tijolos feitos de resíduos plásticos retirados do oceano. E todos ainda em processo de menor custo – que só vem do maior consumo.
Mas vamos lá: o que vem por ai?
Mais do mesmo. Produtos de alta qualidade, de base sólida e confiabilidade. É o antimodismo. O chamado estilo escandinavo 2020 aposta na funcionalidade, leveza e simplicidade dos materiais naturais, do gostoso ao toque, da presença da madeira ( de reflorestamento, claro), grandes protagonistas dessa ideia. O tal de “poucos e bons” – mas que permite invasores afetivos, como um móvel antigo, a antiga máquina de escrever do seu avô, do seu pai. Um minimalismo bem mais delicado do que daquele que aprendemos: tons pasteis suaves, ausência de brilho e de pompa. E muita luz natural, o que aquece o viver. E com esse cuidado, muitas plantas naturais, com o verde invadindo os espaços.
O estilo que chamam de rústico, rústico chique, loft ( que pode ser apenas a presença de pé direito alto) continua, se não como espaço, como vivência ( espaços interligados, conectados). Mescla materiais brutos, como tijolos de demolição ( e não a copia deles), tijoletas feitas à mão, madeira de reuso ( inspiração máxima dos porcelanatos) ou piso de simples leitura, como cimento queimado ( ou quem com ele se pareça) com estruturas metálicas e esquadrias de alta performance, criando contraste. Expõe as instalações, o que facilita – e muito – a manutenção. E, como gosto de dizer, facilita a vida. Não tem frufru, detalhes enfadonhos de decoração ( muitos existindo exatamente para dar acabamento ao mal feito, escamoteadores de imperfeições – até elas são bem vindas). Vem menos tosco, agradando mais olhares, entre o masculino e o feminino. Seria a procura de um espaço sem gênero? É quase um retrofit: manter as características do estilo básico, mas sem deixar de lado a tecnologia, nossa fiel escudeira de todas as horas.
E mais – um pout porri de desejos: cores personalizadas , estampas exageradas , formas orgânicas ( tem a ver com o natural – nada de reto na natureza!), a natureza presente ( plantas, cerâmica, tons), e muito mais – mas só se você quiser.
Mais a mudança mais significativa deve estar mesmo na forma de vivenciar os espaços. A procura por experiências vai tornar nossas casas vulneráveis, híbridas, mutantes, longe do conceito tradicional aprendido. Serão – ou já são? – provisórias, multifuncionais ( morar, trabalhar, alugar, emprestar, conviver), o que pede mobiliário leve e adaptável às mudanças, luxos removíveis ( banheiras, bancadas, mobiliário), materiais de fácil manutenção, básicos ( no sentido de agradar mais pessoas, não de sem graça ou sem personalidade), onde, enquanto se usar, interfere-se com nosso ” toque pessoal”. Somos, na realidade, os novos nômades, moradores do mundo. Na bagagem, apenas o que nos acrescenta – ou define.
E, acima de tudo, um estilo estará em super alta: o seu! Então, viva-se intensamente. E por inteiro.
Joyce Diehl, arquiteta, especializada em conteúdo, editora chefe da www.revestir.com.br
Instagram@joyce.diehl