Por Joyce Diehl
“A ideia de tendências em design de interiores pode parecer um pouco absurda: o propósito de uma casa é oferecer uma sensação de permanência, enquanto a natureza passageira das tendências sugere o oposto. E há a logística de tudo isso: embora seja fácil trocar um par de jeans ou sapatos inspirados no que está nas passarelas, mudar o que está em sua casa exige um investimento considerável de tempo, energia e dinheiro.
Quem em sã consciência troca de sofá a cada estação?”
Elise Taylor, para Vogue (*)
Projeto Fabiano Taleb, Archtrends
Começo meu texto às avessas, com essa citação para lá de providencial da Vogue on line. Aplaudo de pé. E não só como arquiteta, mas como ser humano consciente que sou. Quando vejo tantas matérias enaltecendo a casa como refúgio, pautada no simples e bom de se viver como o novo luxo, não vejo novidade. E explico.
Comecei a falar nisso lá nos idos anos de 2001, eu ainda no início da www.revestir.combr, quando pouco se achava de informações na Internet. E em breve o mundo mudaria muito depois do dia 11 de setembro. Começou pelo impacto inicial e mundial, todos incrédulos mesmo repetidas tantas vezes as imagens pela TV. Imagens que viraram mudanças, umas urgentes, outras com o tempo – estas as mais profundas. Mudanças em nosso jeito de viver, de pensar, não percebidas de imediato – como é toda história. As grandes mudanças acontecem assim, sorrateiras, passo a passo, fazendo pensar.
Como a dos nova-iorquinos típicos mudando seus hábitos de um dia para o outro, deixando de comer fora para comer em casa – seja essa casa onde for e como for – pelo choque do inesperado. Antes acostumados a usar suas moradias “só para dormir”, como gostamos de falar, resumidas em tomar banho, fazer mínimas refeições em cozinhas tão preteridas. Comer – desde o simples café comprado no caminho do trabalho (cena mostrada em tantos filmes vistos por nós e vivida por eles) até a escolha entre os tantos restaurantes para café, almoço, janta. A cozinha de casa apenas como apoio. A alimentação toda feita fora de casa. E nós, do resto do mundo, imitando, comprando ou adaptando todas essas ideias, como sempre. Afinal, estamos acostumados a “comprar ideias”, desde os tempos de colônia.
De uma hora para outra, o medo, as incertezas, a insegurança. A cidade demorou para voltar ao normal – ou procurando entender o “novo normal”. Pesquisas no período pós queda das Torres Gêmeas mostrou um crescimento absurdo da produção e uso de embalagens para alimentos, principalmente as de pizza. A nova corrida do ouro. Na sequência, os serviços de delivery – propagado pelo mundo todo, campeões de aplicativos e startups – as inúmeras motocicletas de entrega modificando o trânsito, bicicletas para os mais sustentáveis, chegando aos atuais drones.
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Mas, o que isso tem a ver com a sua casa? O que isso tem a ver com o tema de hoje?
Voltando à minha “tese” inicial, começamos a nos interessar por nossas cozinhas – se não ainda nós, eles, os nova-iorquinos, os mais atingidos. Contra o medo de sair, ficar em casa, receber em casa, e, quem sabe, o impensável até então, cozinhar em casa. O que pediu um repensar da própria casa, primeiro com mais espaço para receber. Depois, da própria cozinha. Afinal, se comer é um evento, comer em casa tem mais graça.
Casa Verde, Jurerê Internacional, Florianópolis. Projeto: Espírito Santo Arquitetos. Fotos: Everson Martins.
E quem cozinha um mínimo, sabe. Precisamos de espaço, precisamos de utensílios, precisamos de eletrodomésticos, precisamos dos queridos “facilitadores”. E, acima de tudo, não gostamos de ficar isolados. Próximo passo: a cozinha aberta para a casa. Cozinhar, sim, mas convivendo com os demais. Nasce a cozinha como nova sala de receber ( se pararmos para pensar, lembra as casas de nossas avos, não?). Como complemento, um novo boom – de especialistas, de receitas, de vídeos, livros, escolas de cozinhar, eletrodomésticos para assar tostar, fazer valer, diferenciar. Ou, pelo menos, de um público que aceite nossas tentativas. Afinal, sabemos, desde sempre, que amigos a gente faz ao redor de uma mesa, seja ela fora ou dentro de casa. E se era para receber, receber bem. De preferência, com o “homem da casa” pilotando tudo, fugindo da máxima do dia a dia. E a gente sabe muito bem como os homens gostam de novidades. A cozinha, enfim, se especializava.
Via Porte Engenharia e Urbanismo
Projeto: Georgia Gamborgi Arquitetura. Foto: Vanderlei Azevedo. Archtrends
Seguem-se a isso as ondas de experiências. A casa de bem receber – nem que seja a gente mesmo. As viagens para comer e beber. Os piqueniques no campo revisitado, nas vinícolas, na sombra das oliveiras. Seguem-se a isso os novos valores – ou reais valores.
E chegamos onde eu queria chegar: o bem viver é nosso maior refúgio. Onde for, inclusive em nossa casa., vista , de novo, como nosso melhor refúgio. Nossa casa é nosso real oásis. Ou deveria ser. Onde deixamos para trás as correrias dos dias, os desafios (im)postos. Onde podemos, enfim, relaxar. Ser nós mesmos.
Por fim – ou ainda começo – veio a neuroarquitetura (nada mais que os estudos da neurociência aplicados na arquitetura, mostrando a influência dos espaços sobre nós), a biofilia (reforçando a tendência inata do ser humano de se conectar com a natureza e com outros seres vivos – olha a “onda pet” por ai e seus mil desdobramentos). E outros tantos estudos em todas as áreas para provar a atuação do bem-estar da natureza sobre nós. Resgatam a força dos materiais naturais, das formas orgânicas fazendo jus ao que se vê no mundo, da convivência com as plantas, com os animais. A força das cores que vemos lá fora (com a sorte de morarmos onde a natureza ainda prevaleça) ou que vivem em nossa memória. Sim, memórias estão em alta (de onde nunca deveriam ter saído) – afetivas, olfativas, (de)gustativas, sensitivas, nossas.
“As pessoas querem que suas casas pareçam vivas e pessoais, com peças que tenham história, personalidade e personalidade”.
Brigette Romanek, designer de interiores da AD100, para a Vogue (*)
Projeto: Doma Arquitetura. Foto: Dam Mol
O que nos leva, enfim, às novas cores na chamada decor. A nova paleta de cores não parece apenas uma tendência que passe como tantas outras, posto que tem o apoio de tudo isso. Tons de verde, beges, marrons têm tomado os espaços dos tantos cinzas, pretos, brancos de outrora.
Nos materiais, a madeira reconquistando seu espaço roubado pelo metal. As memórias, tantas, espalhadas pela casa, os cheiros do (re)conhecido como bom ganhando os ares, os bolos feitos a tantas mãos, as refeições compartilhadas – e sem pressa, a sala de televisão única onde cabe todo mundo, os jardins e plantas pela casa ganhando destaque, os pets tratados como filhos. A casa como o lar que ela devia ser. E, sim, relaxe: não é mais “feio” ficar de pijama… e nem ficar em casa.
O novo luxo vai além. A casa perto de tudo para que se tenha mais tempo para viver em casa (vide a explosão de bairros – cidade ou condomínios com cara de vila de casas, com direito a brincadeiras na rua). Mais bem viver, menos ostentação. Mais vida vivida, menos vida sonhada – e postada. Alog que já sabíamos, mas fica mais chique quando se chama de Novo Luxo. Quando se chama de Quiet luxury, Low-Key Luxury, Soft Living, Luxo Sensorial, e por ai vai. É o mesmo luxo de sempre, só a gente não podia aceitar: era feio.
Notas do “novo luxo” conforme a IA (revisadas e analisadas por uma inteligência nada artificial):
(*) As tendências de design de interiores que você precisa conhecer em 2025 — e o que está por vir. Por Elise Taylor in https://www.vogue.com/article/interior-design-trends-2025